Roberto A. Tauil –
Maio de 2019.
O Governo Federal
publicou a Medida Provisória n. 881, denominada com o pomposo (e exagerado)
nome de “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”, com o objetivo de
regular as normas de proteção à livre iniciativa e, de certa forma, restringir
a atuação do Estado como agente normativo e regulador.
Pode-se dizer que essa MP
é um passo inverso ao poder de polícia dos entes públicos, a entender como
poder de polícia o elenco de dispositivos legais de proibições, ou de
obrigações de não fazer, tendo por base a pretensa defesa do direito coletivo
contra excessos dos direitos individuais.
A propósito, entendemos
que é equivocada a ideia de que poder de polícia se resume em obrigações de não
fazer (é proibido isso, é proibido aquilo). O poder de polícia agrega, também,
as obrigações de fazer, tanto do Poder Público quanto de particulares. O Poder
Público se obriga a fazer a sua parte, por exemplo, manter limpos os
logradouros públicos, coletar o lixo domiciliar, tapar os buracos das ruas,
fazer funcionar a iluminação pública etc. Os particulares, por sua vez, manter
limpos os terrenos baldios, manter as calçadas desimpedidas e conservadas,
manter a higiene e segurança de seus estabelecimentos, respeitar os direitos da
vizinhança etc.
A referida Medida
Provisória interfere diretamente no preceito constitucional da autonomia dos
Municípios (e também dos Estados), mas tal discussão fica para outro debate.
Este artigo pretende comentar as consequências diretas relacionadas com as
atuais normas municipais, pelo menos da maioria dos Municípios.
Vamos a elas, mas, antes,
uma observação: chama a atenção o gosto do redator da MP 881 com a palavra
‘disposto’! Só no art. 1º e seus parágrafos, ele repete oito vezes a expressão
‘disposto’!
A – Prazo de liberação da
licença de funcionamento, ou Alvará de Funcionamento.
Os Municípios terão que
estabelecer em regulamento um prazo máximo para deferir ou indeferir a licença
de funcionamento da atividade econômica. Ou seja, a partir do momento em que o
interessado entregar todos os elementos necessários à instrução do processo,
ele receberá um prazo expressamente determinado para conclusão das análises
(inclusive vistoria no local, se for necessária). Caso esse prazo se esgote sem
a resposta formal da repartição, esse ‘silêncio’ significará aprovação tácita
do pedido, podendo o interessado fazer funcionar a sua atividade sem ter ainda
a respectiva licença.
E não poderá o Município
‘inventar’ novas exigências para casos específicos. Conforme expresso em
regulamento, o tratamento terá de ser isonômico, ou seja, idêntico para todos
os interessados nas mesmas condições.
B – Os Municípios não
poderão exigir cópias dos documentos para arquivá-los. Terá de usar o
microfilme ou, mais fácil, digitalizar os documentos e guardá-los
eletronicamente. Até o dia de hoje, só tivemos a oportunidade de conhecer um
Município que não guarda documento em papel. Usa scaner no atendimento e o seu
arquivo é totalmente eletrônico.
C – Os Municípios devem
estabelecer, por regulamento, a relação das atividades de baixo risco, que
serão dispensadas de vistoria prévia. Caso o Município não tenha previsão das
atividades de baixo risco, será obrigado a aplicar a relação prevista pelo
Comitê para Gestão da Rede Nacional para Simplificação do Registro e da
Legalização de Empresas e Negócios – CGSIM, cuja relação de atividades de alto
risco é a seguinte (para facilitar, englobamos certas atividades afins):
Fabricação de produtos de
qualquer espécie, inclusive panificadoras;
Serviços de pulverização
e controle de pragas;
Curtimento e preparação
de couros;
Coleta de resíduos
perigosos;
Comércio varejista de
produtos farmacêuticos, com manipulação de fórmulas;
Postos de combustíveis e
comércio varejista de gás liquefeito de petróleo (GLP);
Comércio varejista de
produtos saneantes domissanitários;
Comércio varejista de
fogos de artifício e artigos pirotécnicos;
Serviços de funerárias,
cemitérios e crematórios;
Serrarias;
Serviços gráficos;
Reprodução de vídeo, som,
software;
Reforma de pneumáticos;
Pedreiras;
Aparelhamento de placas e
pedras;
Metalurgia e Fundição;
Serviços de confecção de
armações metálicas para a construção;
Recondicionamento de
baterias e acumuladores para veículos automotores;
Construção de
embarcações;
Lapidação de gemas;
Cunhagem de moedas e
medalhas;
Comércio atacadista de
medicamentos e drogas de uso humano e veterinário;
Comércio atacadista de
tintas, vernizes e similares;
Comércio atacadista de
materiais de construção em geral;
Comércio atacadista de
combustíveis realizado por transportador retalhista;
Comércio atacadista de
produtos químicos em geral;
Supermercados e
hipermercados;
Farmácias e Drogarias;
Transporte coletivo de
passageiros, inclusive transporte escolar;
Serviços de excursões
turísticas com veículos próprios;
Transporte rodoviário;
Armazéns gerais;
Depósito de mercadorias
de terceiros;
Terminais rodoviários,
ferroviários e metroviários;
Estacionamento de
veículos;
Aeroportos;
Hotéis, Motéis e Apart-hotéis;
Cinemas e teatros;
Casas de festas e
eventos;
Hospitais, Clínicas e
Ambulatórios;
Laboratórios de análises;
Clubes sociais;
Atividades esportivas de
qualquer espécie;
Lavanderias, Tinturarias
e Toalheiros;
Parques de diversões e
parques temáticos;
Discotecas, salões de
dança e similar;
Atividades de recreação
de qualquer espécie.
Embora não estejam
incluídas, entendemos que se trata de atividades de alto risco as Universidades,
Escolas e Creches.
Deste modo, as demais
atividades, por eliminação, seriam de baixo risco. Em outras palavras, não cabe
perder tempo vistoriando estabelecimentos do tipo escritórios e consultórios de
profissionais liberais, lojas de comércio (com algumas exceções), pequenas
oficinas de consertos e reparos, e outros mais.
D – A fiscalização do
estabelecimento deverá ser feita posteriormente à liberação da licença, isso se
for feita. Poderá ser realizada de ofício ou como consequência de denúncia, mas
sempre depois da liberação do alvará.
E – É expressamente
vedado aos entes públicos:
I - criar reserva de
mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em
prejuízo dos demais concorrentes;
II - redigir enunciados
que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no
mercado;
III - criar privilégio
exclusivo para determinado segmento econômico, que não seja acessível aos
demais segmentos;
IV - criar demanda
artificial ou compulsória de produto, serviço, ou atividade profissional,
inclusive de uso de cartórios, registros ou cadastros;
V - introduzir limites à
livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas; e
VI - restringir o uso e o
exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as
hipóteses expressamente vedadas em lei.
Bem, em linhas gerais são
essas as regras que os municípios terão de observar.