Pesquisar este blog

quarta-feira, 11 de março de 2015

OS INDÍCIOS E AS PROVAS MATERIAIS DA SONEGAÇÃO TRIBUTÁRIA

A Fiscalização de um Município adota a seguinte medida: quando o sistema de controle do Imposto sobre Serviços relata uma divergência entre os relatórios de serviços prestados, de emissão de notas fiscais e de pagamentos do imposto, o Fiscal lavra imediatamente auto de infração contra o sujeito passivo em função da divergência constatada. E pior, se a divergência representar pagamento a menor, o auto de infração pune o infrator por sonegação.

Em entrevista no Jornal Valor, o Subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Senhor Iágaro Jung Martins, declarou que o número de incoerências nas declarações dos contribuintes do Imposto de Renda atinge o total estimado de vinte e seis mil pessoas jurídicas. Contudo, por meio de notificações, tais empresas têm a oportunidade de corrigir os possíveis erros e, assim, escapar das multas. Tais notificações já foram enviadas, dando o alerta para que essas empresas tenham tempo de examinar os supostos erros cometidos e, se for o caso, promover suas retificações.

Bom saber que a Receita Federal não age desse modo por ser “boazinha”, mas, sim, porque o indício constatado não serve de prova material de um ilícito, muito menos de evidência da sonegação cometida.

Emitir relatórios ao Fisco é uma daquelas obrigações alcunhadas de “acessórias”. São consideradas obrigações de fazer, porém, essa tal obrigação acessória só subsiste em função da obrigação principal, a de dar. Ou seja, tudo gira em torno da obrigação de dar (pagar o devido), sendo as de fazer meros instrumentos persecutórios do cumprimento correto da obrigação de pagar.

Em outras palavras, erros ou descumprimentos de obrigações acessórias podem servir como indício de um ilícito, mas não de prova. Acende-se uma luz vermelha, cai na malha fina, serve para isso e para aquilo, mas não serve para provar a sonegação ou a fraude fiscal. 

Os indícios ainda estão na esfera das presunções de supostas condutas ilícitas. Os erros documentais podem ser punidos, pois as leis municipais são fartas em penalidades sobre erros formais (atrasos, erros em declarações, descumprimento de exigências procedimentais etc.), mas não servem para justificar sanções penais (dolo, simulação e conluio). De fato, os deveres instrumentais a que se obrigam os sujeitos passivos cada vez mais se sofisticam e se ampliam como técnica de colaboração dos contribuintes para melhor apuração da verdadeira obrigação tributária por eles devida. Seria até possível dizer que os chamados lançamentos por homologação, quando o contribuinte recolhe determinado valor espontaneamente, aguardando a confirmação do Fisco em relação ao valor recolhido (o que raramente ocorre), já deveriam ser considerados “lançamentos” declaratórios, tanto são os procedimentos instrumentais exigidos.

Na verdade, cada vez mais a Fiscalização deixa de fiscalizar diretamente os contribuintes, dando preferência ao trabalho interno de examinar o cumprimento das obrigações acessórias. Não dizer que esse fenômeno decorra da preguiça dos servidores, de forma alguma, nem do desgaste de encarar diretamente o contribuinte, mas, a causa não só se dá pela contumaz carência de pessoal especializado como também da comodidade de ficar sentado em sua mesa de trabalho, examinando relatórios. A dizer, então, que a fiscalização costuma agir por suspeita tendo por base a constatação de possíveis equívocos na produção pelo contribuinte dos seus deveres formais. O Fiscal passou a ser um burocrático pesquisador de relatórios.

Nada errado, bom que se diga, de examinar relatórios e informações acessórias, podendo do exame nascer certas presunções acerca de irregularidades nos pagamentos dos tributos. Mas ainda são presunções relativas que devem ser mais investigadas, mais aprofundadas. Pode ser motivo de uma ampla fiscalização, esta sim, a produzir provas materiais de uma fraude. Como diz Heleno Torres, “a verdade material é o parâmetro absoluto da tributação, qualquer modalidade de presunção relativa há de ser aplicada com estrito respeito aos direitos fundamentais e à legalidade, acompanhada de devido processo legal e sem qualquer espécie de discricionariedade que leve ao abuso de poder”.

Autuar tendo por base simples suspeita, derivada de um mero erro procedimental do contribuinte, é, no mínimo, uma arbitrariedade.

Roberto A. Tauil
Março de 2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário