A Fiscalização de um
Município adota a seguinte medida: quando o sistema de controle do Imposto
sobre Serviços relata uma divergência entre os relatórios de serviços
prestados, de emissão de notas fiscais e de pagamentos do imposto, o Fiscal
lavra imediatamente auto de infração contra o sujeito passivo em função da
divergência constatada. E pior, se a divergência representar pagamento a menor,
o auto de infração pune o infrator por sonegação.
Em entrevista no Jornal
Valor, o Subsecretário de Fiscalização da Receita Federal, Senhor Iágaro Jung
Martins, declarou que o número de incoerências nas declarações dos
contribuintes do Imposto de Renda atinge o total estimado de vinte e seis mil
pessoas jurídicas. Contudo, por meio de notificações, tais empresas têm a
oportunidade de corrigir os possíveis erros e, assim, escapar das multas. Tais
notificações já foram enviadas, dando o alerta para que essas empresas tenham
tempo de examinar os supostos erros cometidos e, se for o caso, promover suas
retificações.
Bom saber que a Receita
Federal não age desse modo por ser “boazinha”, mas, sim, porque o indício
constatado não serve de prova material de um ilícito, muito menos de evidência
da sonegação cometida.
Emitir relatórios ao Fisco é
uma daquelas obrigações alcunhadas de “acessórias”. São consideradas obrigações
de fazer, porém, essa tal obrigação acessória só subsiste em função da
obrigação principal, a de dar. Ou seja, tudo gira em torno da obrigação de dar
(pagar o devido), sendo as de fazer meros instrumentos persecutórios do
cumprimento correto da obrigação de pagar.
Em outras palavras, erros ou
descumprimentos de obrigações acessórias podem servir como indício de um
ilícito, mas não de prova. Acende-se uma luz vermelha, cai na malha fina, serve
para isso e para aquilo, mas não serve para provar a sonegação ou a fraude
fiscal.
Os indícios ainda estão na
esfera das presunções de supostas condutas ilícitas. Os erros documentais podem
ser punidos, pois as leis municipais são fartas em penalidades sobre erros
formais (atrasos, erros em declarações, descumprimento de exigências
procedimentais etc.), mas não servem para justificar sanções penais (dolo,
simulação e conluio). De fato, os deveres instrumentais a que se obrigam os
sujeitos passivos cada vez mais se sofisticam e se ampliam como técnica de
colaboração dos contribuintes para melhor apuração da verdadeira obrigação
tributária por eles devida. Seria até possível dizer que os chamados
lançamentos por homologação, quando o contribuinte recolhe determinado valor
espontaneamente, aguardando a confirmação do Fisco em relação ao valor
recolhido (o que raramente ocorre), já deveriam ser considerados “lançamentos”
declaratórios, tanto são os procedimentos instrumentais exigidos.
Na verdade, cada vez mais a
Fiscalização deixa de fiscalizar diretamente os contribuintes, dando preferência
ao trabalho interno de examinar o cumprimento das obrigações acessórias. Não
dizer que esse fenômeno decorra da preguiça dos servidores, de forma alguma,
nem do desgaste de encarar diretamente o contribuinte, mas, a causa não só se
dá pela contumaz carência de pessoal especializado como também da comodidade de
ficar sentado em sua mesa de trabalho, examinando relatórios. A dizer, então,
que a fiscalização costuma agir por suspeita tendo por base a constatação de
possíveis equívocos na produção pelo contribuinte dos seus deveres formais. O
Fiscal passou a ser um burocrático pesquisador de relatórios.
Nada errado, bom que se
diga, de examinar relatórios e informações acessórias, podendo do exame nascer
certas presunções acerca de irregularidades nos pagamentos dos tributos. Mas
ainda são presunções relativas que devem ser mais investigadas, mais
aprofundadas. Pode ser motivo de uma ampla fiscalização, esta sim, a produzir
provas materiais de uma fraude. Como diz Heleno Torres, “a verdade material é o
parâmetro absoluto da tributação, qualquer modalidade de presunção relativa há
de ser aplicada com estrito respeito aos direitos fundamentais e à legalidade,
acompanhada de devido processo legal e sem qualquer espécie de
discricionariedade que leve ao abuso de poder”.
Autuar tendo por base
simples suspeita, derivada de um mero erro procedimental do contribuinte, é, no
mínimo, uma arbitrariedade.
Roberto
A. Tauil
Março
de 2015
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