Escrito por Francisco
Mangieri
Ter, 24 de Março de 2015
23:24
Vivenciamos uma crise
econômica. Todos os dias os jornais noticiam que os Estados buscam, de várias
maneiras, equacionar as suas finanças para a manutenção das atividades estatais
de relevância social. No entanto, pouco se tem considerado a total viabilidade
da recuperação do bilionário crédito das Fazendas Públicas da União, Estados e
municípios.
Sob a criticada denominação
“dívida ativa”, que não reflete o real significado do termo, tem-se, na
verdade, créditos públicos como tesouros escondidos em vasos de barro,
porquanto é equívoca a ideia de que o seu recebimento é frustrado. Ledo engano.
Esclareço: quando mudamos a forma de lidarmos com esses créditos e os problemas
que os cercam, há redução no ajuizamento de ações, redução do acervo
processual, com altos índices de parcelamento e pagamento do débito e,
consequentemente, créditos fiscais são recuperados, e há aumento da
arrecadação.
Cerca de metade das ações em
trâmite no Judiciário são de execução fiscal. Segundo o Relatório Justiça em
Números 2014 – CNJ, a cada cem ações que ingressaram em 2013, apenas nove foram
extintas.
A cultura de ineficiência da
execução fiscal e de que a recuperação do crédito é frustrada precisa ser
combatida.
É certo que o modelo
tradicional de recuperação do crédito público, seja por meio do procedimento
administrativo, seja por meio do processo judicial encontra-se em crise e
precisa ser urgentemente revisto. A atuação conjunta dos três poderes,
sobretudo a cooperação e integração entre o Executivo e o Judiciário, que têm
papel ativo na cobrança administrativa e judicial do crédito fiscal não pago
pelos contribuintes, são de fundamental importância para o êxito na recuperação
do crédito.
As causas da crise são
multifatoriais e residem tanto no âmbito administrativo quanto no judicial, bem
como refletem a própria cultura de pagamento de tributos no Brasil. Nesse
aspecto, existe uma certa resistência como forma de protesto ao pagamento, em
face, dentre outros, da falta de transparência na destinação dada ao crédito
público (produto da arrecadação), da corrupção endêmica e da alta carga
tributária.
De modo algum se pode aqui
atribuir ao Judiciário a pecha de morosidade para justificar um problema que
nasce, desenvolve-se no Poder Executivo e teria grande parte evitada ou
resolvida se houvesse uma atuação administrativa diferenciada, mas termina por
culminar no ajuizamento de centenas de milhares de ações de execução fiscal, em
sua maioria na véspera da ocorrência da prescrição. Daí, o juiz tem à sua
frente o desafio quase desumano de processar, movimentar e encontrar, com
criatividade e celeridade, a porta de saída dessas ações peculiares, a fim de
entregar, com efetividade, o crédito ao seu dono, o próprio ente público
integrante do Poder Executivo.
Se o grande número de ações
de execução fiscal em curso no Judiciário assusta, o que dizer do que
representa em crédito público a ser recuperado. Somente o da União corresponde
à metade do PIB nacional! O Distrito Federal tem a receber R$ bilhões, e apenas
no ano passado, a Secretaria de Fazenda inseriu no cadastro de dívida ativa 170
mil proprietários de imóveis e 153 mil de veículos, referentes a débitos de
IPTU e IPVA, que somados, chegam a cerca de R$ 200 milhões. Se considerarmos
que, na capital federal, a cada R$ 3,50 de tributos recolhidos aos cofres
públicos, R$ 1,00 deixa de ingressar, por inadimplência, a conclusão é a de que
a tendência é desse número crescer vertiginosamente e, em breve, de novas ações
serem ajuizadas.
Ao Legislativo cabe o
aprimoramento e a elaboração de leis que estimulem e facilitem o recebimento
desse crédito, bem como disciplinar a transação tributária de forma racional,
levando-se em conta a capacidade econômica do contribuinte/executado. Apenas a
edição de leis esporádicas de anistia e benefícios fiscais (Refis, Refaz,
Recupera etc.) não resolve a situação. Se, por um lado, cumpre a finalidade de
aumentar a arrecadação em um determinado período, por outro, acaba por
estimular a inadimplência daqueles que somente pagam os tributos nesses
“momentos favoráveis”. De modo contrário também desestimula o pagamento pelo
cidadão cumpridor dos seus deveres, que se sente “injustiçado” ante a sua própria
pontualidade.
Se queremos resultados
diferentes, não adianta fazermos sempre as mesmas coisas. A criatividade do
magistrado, aliada à gestão estratégica desses processos, conforme tipo de
tributo, valor do débito e perfil do executado têm se mostrado eficientes para
a resolução da crise.
Práticas exitosas de
conciliação e negociação fiscal de débitos ajuizados ou não têm alcançado altos
índices de acordo (83% a 88%), não obstante a indisponibilidade do crédito
público, que, por si só, não é óbice ao excelente resultado obtido. A realização
de audiências em que o Judiciário promove e facilita o diálogo do
executado/devedor com o Estado/credor, eliminando os entraves burocráticos para
a regularização fiscal do cidadão e empresas é um incentivo à cidadania
tributária, previne o inadimplemento e novas demandas, porque tem função
educativa. Com efeito, o juiz assume o papel ativo de agente de transformação
social para a solução dos conflitos fiscais.
Contudo, causa perplexidade
perceber que a grande maioria dos que lidam com o crédito público parece
adormecida e desmotivada, sequer acredita que a sua soma, ou grande parte dela,
possa ingressar, um dia, nos cofres públicos. Temos a dívida ativa como um
tesouro escondido em vasos de barro. A estrutura dos vasos não é tão difícil de
romper, mas passa por uma mudança de mentalidade. A cultura de ineficiência da
execução fiscal e de que a recuperação do crédito é praticamente frustrada
precisa ser combatida. A aparência rústica do barro encobre a preciosidade
existente no seu interior. O crédito não está perdido, apenas guardado.
Precisamos recuperá-lo!
Soníria Rocha Campos
D’Assunção é juíza auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, coordenadora
do Programa Nacional de Governança Diferenciada das Execuções Fiscais
Fonte: Valor Econômico
COMENTÁRIO DE OMAR AUGUSTO
LEITE MELO: recentemente, ao ouvir que o Governo Federal e a Prefeitura de São
Paulo aumentaram tributos sob o argumento de necessidade fiscal, fiquei
pensando exatamente nesse descaso do Fisco com a sua dívida ativa. A Tributo
Municipal tem um curso cujo título traz exatamente esse questionamento: “dívida
ativa – problema ou solução?”. A mudança de visão é realmente necessária,
especialmente na busca da Justiça Tributária, que traz ínsita a noção de
princípio da igualdade, que todos devem pagar tributos, de tal forma que se
evite majorar a carga tributária dos “bons pagadores” para compensar a
inadimplência ou sonegação dos maus pagadores. Fica novamente o questionamento
sobre a dívida ativa: bênção ou maldição, solução ou problema? Também merece
destaque neste breve artigo a parte em que a juíza comenta sobre a importância
de se verificar meios que facilitem o pagamento e a cobrança. Quanto à
conciliação processual, o novo Código de Processo Civil também é pródigo em
artigos que defendem essa prática processual, que também pode ser utilizado nas
execuções fiscais, ainda que com a função restrita de esclarecer para o devedor
como ele pode regularizar sua pendência fiscal.
Fonte: http://www.tributomunicipal.com.br
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